Não é incomum encontrarmos processos penais em que contamos apenas com a declaração da vítima. Este é um dos temas mais debatidos no âmbito penal, pois levanta questões relacionadas ao direito à presunção de inocência do acusado e à avaliação das provas.
A presunção de inocência é um direito fundamental estabelecido no artigo 24.2 da Constituição Espanhola, que determina que toda pessoa é inocente até que se prove o contrário. E o artigo 11.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe que:
"Qualquer pessoa acusada de um delito tem o direito de que se presuma sua inocência enquanto não se prove sua culpabilidade, conforme a lei e em julgamento público, onde todas as garantias necessárias para sua defesa sejam asseguradas. Nesse sentido, a condenação não pode basear-se em meras suspeitas, mas em provas suficientes e conclusivas."
Perante um direito tão fundamental, a questão-chave é determinar se a declaração da vítima, por si só, pode alcançar tal nível de suficiência.
O Tribunal Supremo estabeleceu reiteradamente que a declaração da vítima pode constituir prova de acusação válida e suficiente para desvirtuar a presunção de inocência, desde que cumpra certos requisitos:
Ausência de incredibilidade subjetiva: Ou seja, não devem existir razões para considerar a declaração da vítima não crível, a qual não deve estar motivada por rancor, inimizade ou qualquer outro interesse espúrio.
Verossimilhança: Deve ser lógica, coerente e estar apoiada por outros indícios objetivos.
Persistência na declaração: Deve ser mantida sem contradições ou ambiguidades essenciais ao longo do processo.
Existem determinados crimes nos quais a prova testemunhal da vítima adquire uma especial relevância, como nos crimes de violência de gênero, crimes sexuais e alguns crimes de ameaças ou coações. Em muitos desses casos, não há testemunhas diretas nem provas físicas conclusivas, por isso a declaração da vítima pode ser o único elemento probatório disponível. Caso contrário, se considerássemos que a declaração da vítima por si só fosse insuficiente, inúmeros crimes ficariam sem possibilidades de condenação, uma vez que, normalmente, esse tipo de crime é cometido na absoluta clandestinidade, o que dificulta a existência de outros tipos de provas.
**Desafios e controvérsias**
Apesar dos critérios jurisprudenciais, a avaliação da declaração da vítima continua a ser um tema controverso. Um dos principais desafios é evitar condenações baseadas em testemunhos frágeis ou contraditórios, sem um adequado confronto com outros elementos probatórios. Além disso, é fundamental garantir o direito de defesa do acusado, permitindo-lhe questionar a credibilidade do testemunho através de interrogatórios e outras provas.
**Conclusão**
A declaração da vítima como única prova no processo penal é um tema de grande relevância e complexidade. Embora possa ser suficiente para fundamentar uma condenação, sua avaliação deve ser rigorosa e ajustada aos padrões jurisprudenciais para garantir um equilíbrio entre a proteção das vítimas e o respeito aos direitos fundamentais dos acusados. Em última análise, o julgamento sobre a credibilidade da declaração deve ser realizado caso a caso, considerando as circunstâncias específicas de cada processo penal.